27 de novembro de 2009

E eu ainda me perco em seus olhos...

Li certa vez em um blog que gosto de visitar uma frase que dizia o seguinte:
"Ainda estou me procurando no oceano de seus olhos."
Isso me levou de volta àquela sexta-feira, em que ele deixou seus olhos marejados me molharem os ombros. A sexta-feira decisiva... A sexta-feira em que teve início a mudança da minha forma de observá-lo. Passei a olhá-lo com mais ternura perceptível- ela sempre esteve presente, mas a partir daí deixei-a transparecer, já perdendo um pouquinho do medo que me é característico.
Mudei a forma de observá-lo, como já disse, mas não por isso passei a compreender o que acontece. Ainda é um mistério- ainda é um enorme mistério- para meu coração entender as mensagens sensíveis que ele me envia. Não, ele não é indecifrável: o problema está comigo. Acho que falta sensibilidade e tato de minha parte. Falta parar para ouvir o coração, coisa que não faço já há um tempo considerável. Falta parar para analisar as entrelinhas de nossas conversas. Falta parar para interpretar o tempero daquela comida, aquela gargalhada que é solta de repente, aquela piada que só tem graça para um, aquele olhar terno lançado quando é a vez de meus olhos ficarem marejados...
Enfim, acho que cometo o mesmo erro de tempos atrás. Não me perdoo por ele, pois paguei um alto preço por tê-lo cometido, mesmo com a consciência de que a culpa não foi minha.
Mas desta vez vou me redimir. Navegarei, com sensibilidade e doçura, pelas vagas retirantes de seu inédito e misterioso mar...
Eu vou me encontrar tanto em seu oceano como em sua praia. Ah, vou.

18 de novembro de 2009

Paulo sabia demais

Paulo sabia demais. E isto não é um trocadilho com a piada do Pablo.
Quando cheguei à trágica conclusão de que Paulo sabia além do que devia, resolvi que não havia outro jeito. Então matei-o, com dó e piedade. A situação chegou ao ponto de não haver mais escolha: ou ele me assassinava ou eu dava cabo de sua vida.
Paulo era a minha esperança de redenção. Eu tinha por ele uma afeição especial, e ele percebera isso demasiadamente rápido. Enganou-me com aqueles olhos brilhantes e misteriosos e envolveu-me em uma teia de mentiras. Eu não tinha outra opção. Ele sabia demais. E isso me mataria mais cedo do que eu poderia imaginar.
Eu não me lembro exatamente como foi. Só sei que, quando percebi, estava com a adaga toda ensanguentada nas mãos. Paulo me lançava um último olhar de quem se vingaria, os olhos já sem brilho e sem vida.
Agora estou aqui, com seu corpo estirado em meu quarto, enquanto escrevo este texto. Estou apavorada. Não sei ainda como agir, mas não me arrependo do que acabei de fazer.
A culpa foi toda dele. Paulo sabia demais.

16 de novembro de 2009

Nem tudo é o que parece ser

Nem tudo é o que parece.

Se o sofá tremular de repente,

Pode ser que seja só o seu reflexo no espelho- que tremula com o vento vindo da janela aberta.




11 de novembro de 2009

O medo de Pedro

Pedro era um rapaz bastante supersticioso. Não passava embaixo de escadas, não gostava de gatos pretos e evitava sair de casa nos dias de sexta-feira treze, pois acreditava que algo terrível lhe aconteceria.

Mas o principal era que Pedro cria em tudo o que lhe diziam. "Pedro, não coma leite com manga que faz mal, menino!" E ele não comia. "Pedro, não vá por aquele caminho, pois você pode ser assassinado por algum maníaco!" E ele não ia. Pedro fora muito bem educado pela mãe, que lhe ensinou o respeito e a solicitude. Gostava de ajudar os outros e sua generosidade só era menor que seu receio excessivo.

Veio a era da internet popular e com ela o ICQ, o MSN, o Orkut... E Pedro, ainda que com medo de seu computador ser contaminado por um vírus terrível, possuía uma conta em cada site. Pedro não adicionava desconhecidos à sua conta. Conhecidos, apenas com aviso prévio. Se alguém conhecia Pedro em uma noite qualquer da vida e dizia "Pedro, me adiciona no MSN?", a resposta era imediata: "Desculpe, eu não tenho MSN...". E logo mudava de assunto.

Daí pra frente vieram aquelas correntes, dicas de saúde e coisas do tipo enviadas via e-mail. Pedro seguia todas à risca, religiosamente, e as passava adiante. Pedro enviava às cinquenta pessoas nos quatro minutos de prazo, trêmulo de medo de lhe acontecer um acidente nas 24 horas seguintes. Tomava um litro d'água todas as manhãs, sempre colocava uma laranja no meio da feijoada, não usava mais desodorante, não dirigia mais com medo de que algum maníaco do estacionamento o matasse e não atendia mais telefonemas da polícia. Aliás, não atendia mais o telefone. Não possuía telefone celular, com medo de o número ser clonado.

O tempo passou e as coisas foram ficando cada vez mais difíceis para o medroso Pedro. Não tomava mais leite. Não sabia mais qual religião seguia, se a Católica, a Budista ou a Congressista com Coração de Tigre. O cúmulo foi quando Pedro, virgem, terminou o namoro alegando que sua namorada iria difamá-lo na internet com vídeos de sexo entre eles. "Mas Pedro, você é virgem!!", disse a namorada, embasbacada. "Ainda assim, é melhor não arriscar. Não se pode confiar em ninguém hoje em dia."

Hoje Pedro não sai de casa, com medo do que os outros possam fazer com ele. Não conseguiu passar adiante uma corrente que dizia que, se não a enviasse a duzentas pessoas no mínimo, ele morreria em 36 horas. Até agora Pedro espera, cheio de medo, seu trágico fim. Não confia mais em ninguém e vive isolado, com receio de que alguém o assassine. Quase não dorme, vigiando, e também quase não come. Tem medo de sua comida estar envenenada. Pedro*, coitado, agora tem medo até de si mesmo.

Pobre Pedro.

*Nome fictício para preservar a identidade do personagem.