22 de setembro de 2009

Extrato de uma pré-noitada de sábado

- Gente, vou tomar banho.
- Ah não, Bianca! Deixa a Milene ir primeiro. Você demora muito.
- Então vai, Milene.
- Não, Bianca, pode ir!
- Vou mesmo, nem precisa oferecer de novo!
[Batidas na porta.]
- Bianca, anda logo, não vai dar tempo!
- Já estou acabando, peraí!
As garotas estão em festa. É noite de sábado, e as três decidem sair juntas.
- Eu sempre me animo pra sair no final de semana!
- Já tomou banho, Louise?
- Eu tomo banho em cinco minutos!
- Então vai, Louise, senão a gente vai se atrasar!!
- Calma, Milene, até meia-noite a gente chega lá, né?
- Não sei...
- Hum, a Bianca está se maquiando! O que está acontecendo?!
[Bianca dá um tapa no traseiro de Louise.]
- Ai! Viadinha.
- Vai pro banho logo, menina.
[Todas já estão vestidas.]
- Gente, como estou?
- Hum, tá gata. Com essas unhas vermelhas então...
- É hoje que você tira a barriga da miséria.
- Bobona.
- Hoje eu pego alguém!
- Eu também!
- U-hu! Estamos lindas. Vamos ser rainhas de novo!
- Dá licença, agora é minha vez.
-Peraí, só falta o rímel!
- Você disse isso há meia hora.
- Eu quero também! Me empresta?
- Qual você quer, o azul ou o roxo? Tem o marrom também.
- Eu quero esse que está na tua mão.
- Peraí... Toma.
- Tá azul?
- Não, só quando bate a luz.
- Pronto.
- Pronto?! Aleluia! Vam'bora. Já são dez e vinte!
- Caraca! Já?! Então vamos.
- Já.
- Fecha aí, Bianca. O gás tá fechado?
- Eu fechei.
- Então vamos. Tchau, vizinho, você não sabe o que está perdendo!
Rindo de si mesmas, as três descem as escadas, orgulhosas de si e com olhares triunfantes. Para elas, o final de semana está apenas começando...

18 de setembro de 2009

Eu conheço o teu sal...

Depois de anos sem falar com ele, tomei coragem e fui vê-lo. Como seria o reencontro? Comecei a recapitular tudo o que havíamos vivido em um passado um pouco distante. Mágoas, ressentimentos, rancor, tudo isso estava guardado em ambos os corações, creio eu. Queria acabar com o que já há algum tempo me destruía. Chegando lá, meu coração bateu mais forte: o que dizer e como começar?
- Ben?- Falei, cabeça baixa, olhos envergonhados.
Ele nada disse, apenas me olhou com olhos que eu não reconhecera na hora. Os olhos vivos que tanto elogiei outrora deram lugar a olhos tristes e distantes, fazendo assim com que seu dono me parecesse quase irreconhecível. Aquele não podia ser o Ben que eu fora visitar.
- Você veio fazer o quê aqui? Hein? Veio brigar comigo de novo?
- Ben, eu... Olha só, esquece tudo, tá bem? É por isso que eu vim aqui.
- Esquecer tudo como? Você disse que não queria mais me ver.
- Disse. Eu sei que disse. Mas esquece, por favor, vai. Você não está bem, né?
Ben emagrecera consideravelmente e já não possuía aquela energia que lhe era característica. Tinha os olhos parados, o olhar perdido, e parecia-me que estavam agressivos também. Estava disperso, falava pouco, mexia-se também pouco; tinha o ar de quem não tinha mais esperanças. Compreendi. O que mais podia fazer senão compreender? Ao mesmo tempo, veio-me uma vontade enorme de abraçá-lo e de dizer-lhe que eu estava ali para me redimir. Só que eu tinha medo de sua reação.
- Bem? Eu estou é doido pra ir embora. Mas ainda não entendi: você me perdoou, é isso?
- Perdoei.
- Perdoou mesmo?- Pareceu-me que seus olhos brilharam nesse momento, mas acho que foi só impressão.
- Perdoei.
Ficamos em silêncio por um momento que me pareceu enorme.
- Peraí... Você só me perdoou para não ficar com dor na consciência. É isso? Leu em algum lugar que não perdoar faz mal à saúde, não é?- Ele oferecia resistência. Nada anormal; eu o conhecia muito bem para ficar espantada com isso.
- Ben, para com isso...
- Quando a esmola é demais o santo desconfia! Tem ideia do que você faz comigo?- Ele tentava disfarçar as lágrimas.
E eu não o estava reconhecendo. Ben chorando? E na minha frente? Senti que aquele choro não era por minha causa. Por certo era um desabafo, uma forma de se livrar de tudo que lhe acontecia e fazia-lhe mal. O que aquele lugar estava fazendo com ele? O que lhe faziam aquelas pessoas?
- Vem cá...- Estendi-lhe os braços e ele, ao contrário do que pensei que faria, abraçou-me com ternura.
Tínhamos muito o que conversar e, principalmente, tínhamos que nos perdoar mutuamente. A cada palavra proferida, a dor diminuía, e pelo menos de minha parte o coração ficava mais leve.
O encontro durou algumas horas (percebo agora que foram horas preciosas em minha vida), mas chegara a hora de ir embora.
- Preciso ir.
- Você... Você vai voltar?- Havia um fio de esperança em sua voz. Começamos a nos entender, mas ainda havia muito o que fazer.
- Volto sim. Tchau, Ben.
- Tchau, Virgínia.
Fui embora sem olhar para trás, com os olhos já cheios d'água. É claro que eu voltaria. Faria o que pudesse para melhorar nossas vidas. E eu me dedicaria.
Queria vê-lo vivo.

11 de setembro de 2009

"Nós encontraremos nosso direito de ser. Até lá, os lilases florescem toda primavera." - Histórias para aquecer o coração dos adolescentes


Quando cheguei em casa vocês estavam lá, lindas, abertas, imponentes, como que me esperando para vê-las. Quase cheguei tarde: pareceu-me que estavam em seu limite, e que não aguentariam mais que cinco ou seis dias.
Era noite já, e o seu perfume não era mais tão forte quanto eu me lembrava. Fui cumprimentá-las, pedindo desculpas pela minha ausência no último ano. A culpa não foi minha, vocês sabem disso. E tanto o sabem que não fizeram pouco caso de mim. Receberam-me bem, como se recebe o filho pródigo. Tamanha foi minha emoção que cheguei às lágrimas. As coisas mudam, as pessoas não são mais as mesmas, mas a alegria de vê-las e senti-las próximas de mim ainda existe. A sutil diferença é que agora não espero; sou esperada.
E vocês entendem. Fui eu quem as esperou ansiosamente todos os anos. Sou eu quem as recebe com emoção e alegria, todas as vezes em que chegam. Era eu quem lhes sentia o cheiro antes de ir à escola, todas as manhãs, como que lhes dando bom dia. Sou eu quem tem uma de vocês guardada, já seca e inodora. Sou eu quem as liga, a cada ano, a algum momento marcante da minha vida... Como da última vez, como agora. E vocês me agradecem com sua beleza e perfume extraordinários, quase maravilhosos.
A cada ano, a cada idade minha, a cada etapa, suas cores, texturas e o seu inesquecível perfume me parecem mais saborosos, mesmo sabendo que são os mesmos. E apaixono-me cada vez mais. Essa paixão faz com que, mal se termina o mês de agosto, quero-o novamente só para vê-las ali vivas, cheirosas, inabaláveis. Só que desta vez eu as vi em setembro.
Amanhã eu voltarei pra casa e ainda não sei se vocês estarão lá. Talvez sim, ou talvez o tempo já as tenha levado consigo. Se assim for, agora só no próximo ano. Uma outra Julia estará lá, em uma outra situação, com outras perspectivas, mas pronta para recebê-las.